Por lá, nos quase 250 quilômetros quadrados de terra, o número de gêmeos é 5 vezes maior do que a média nacional. Ou seja: enquanto no Brasil o índice é de 2% de nascimentos gemelares, em Cândido Godói a cada 100 nascimentos, 10 são de gêmeos. E isso especialmente vindo de uma pequena área chamada Linha São Pedro, de pouco menos de 6 quilômetros quadrados, onde vivem cerca de 80 famílias. E este fato atrai a atenção da mídia e de cientistas desde a década de 1990 em busca de explicações para o “mistério dos gêmeos”.
Muitos mitos rondam a cidade para justificar o fenômeno: um deles, o mais famoso e controverso, seria a passagem do médico nazista Josef Mengele pela região para fazer experimentações, foragido após a Segunda Guerra Mundial. Outro é o da água da cidade, que teria propriedades especiais (existe até o monumento da Fonte da Fertilidade simbolizando esta lenda). Mas é na ciência que encontramos as principais pistas: há 20 anos, grupos de pesquisadores se dedicam a acompanhar Godói, a convite da própria comunidade.
No mês passado, foi publicado um artigo com muitas informações que resume estas duas décadas de estudo, fruto de trabalho científico em conjunto (Departamento de Genética da UFRGS, Serviço de Genética Médica Populacional do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Laboratório de Sensoriamento Remoto e Cartografia Digital, da Unisinos). Está disponível em português e conta com três colaboradoras da comunidade de Cândido Godói.
— A população de Cândido Godói é realmente única no mundo, não apenas por sua afabilidade ou por sua constante simpatia, mas também pela alta frequência de nascimentos gemelares — comenta o biomédico pesquisador Augusto Cardoso dos Santos, um dos autores da pesquisa, que sempre apóia a Me Two em nossas dúvidas sobre genética + gêmeos e múltiplos.
A chamada “hipótese de Mengele” foi descartada pelo grupo de pesquisadores: o estudo mostrou que a frequência
de nascimentos gemelares era semelhante antes da década de 1960 (quando supostamente Mengele teria residido na região) e posteriormente. O que acontece nas décadas de 1960 e 1970 é um aumento no número total de nascimentos e por consequência, os número absoluto de nascimentos gemelares também aumenta.
Tampouco foi encontrado qualquer resultado anormal na análise de água e solo que pudesse ajudar a explicar a alta taxa gemelar na região de Cândido Godói.
No laboratório, procurou-se no material genético das mães da cidade variações em genes que já tinham sido relacionados à reprodução humana na literatura científica. Com esta abordagem, foi encontrada uma frequência estaticamente maior do alelo P72 do gene TP53 em mães de gêmeos quando comparada com mães de não-gêmeos.
A pesquisa explica detalhadamente: “O produto deste gene é um importante supressor tumoral que está envolvido em
uma ampla variedade de processos biológicos, como desenvolvimento, imunidade, envelhecimento, câncer
e a reprodução. Especificamente no campo da fertilidade, foi demonstrado que o papel regulador do gene TP53 é importante tanto no processo de implantação do blastocisto na parede uterina quanto após, de modo que as chances de uma concepção gemelar suceder-se a termo podem ser aumentadas em mulheres que carreiam o alelo P72″.
Pois decidimos conhecer de perto Cândido Godói e ouvir as histórias da comunidade. Às vésperas da principal feira da cidade, a ExpoCandi, a equipe da Me Two pegou a estrada com a Viação Ouro e Prata para celebrar com a população o aniversário. Participamos da programação oficial da feira com uma dinâmica com famílias de gêmeos da cidade, um momento lindo e emocionante de conexão e trocas de experiências. Também pudemos presenciar a bonita apresentação de uma música especial chamada “Milagre da Vida”, do artista missioneiro Emerson Gottardo (veja a apresentação no vídeo).
Guiados pelo presidente da Agecandi – Associação dos Gêmeos de Cândido Godói, Ademir Speth, e pelo professor José Inácio Lunkes, uma verdadeira enciclopédia viva da cidade, circulamos pela Linha São Pedro e pelo município conversando com os moradores. Encontramos histórias curiosas como a de uma numerosa família com 3 irmãos que tiveram gêmeos morando na mesma casa em períodos diferentes, conhecemos os bebês gêmeos que nasceram mais recentemente em Godói e falamos com as irmãs gêmeas mais velhas, nascidas antes até da fundação do município.
No vídeo, você vai conhecer as histórias de alguns moradores de Godói:
:: Assista ao nosso vídeo em Cândido Godói
Produção e reportagem: Camila Saccomori | Imagens, roteiro e edição: Rafael Leite
Narração: Vanessa Rocha | Imagens de apoio: Elisa Scheibe Marty
Apoio institucional: Prefeitura Cândido Godói e Agecandi | Apoio: Viação Ouro e Prata (transporte)
Realização: Me Two (Elisa Scheibe Marty e Vanessa Rocha, coidealizadoras)
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