É diferente da língua compartilhada pelas pessoas de seu convívio, de modo que nem mesmo seus familiares a conseguem entender. E para a gente entender melhor este fenômeno, pedimos à professora e pesquisadora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Fraulein de Paula para nos explicar tudo sobre criptofasia.
“A linguagem é uma potencialidade humana, que diz respeito à nossa capacidade para criar, modificar e aprender idiomas. Os bebês humanos têm esta capacidade que vai se desenvolver em interação com as suas experiências comunicativas e condições de vida”, explica a pesquisadora Fraulein de Paula.
Se pensarmos bem, o fato de nascer gêmeo de um ou mais irmãos, reúne por si condições favoráveis à criação de um jeito próprio e particular para se comunicarem. A linguagem secreta dos gêmeos diz respeito então ao uso desta potencialidade para construírem uma ‘língua’ com palavras, uma sintaxe e gramática própria. Estudos identificaram que esta não é totalmente estranha e que se apoia em parte da língua familiar, que eles vêm e ouvem no dia a dia, mas de um modo empobrecido ou simplificado.
Um dos casos mais famosos do Brasil é a dupla de cantoras mineiras Celia e Celma (foto acima), que gravou discos e fez muitos shows, incluindo uma participação na novela “Ana Raio e Zé Trovão” e muitas entrevistas. Elas falam de trás para frente, invertendo as sílabas das palavras: por exemplo, “Taimu Casimu” = (“muita música”).
Fraulein de Paula explica: “Eles usam os mesmos tipos de recursos que as pessoas em geral, mas em proporções diferentes, especialmente nos primeiros anos de vida, pois desenvolvem uma cumplicidade e identificação mais acentuada entre si, do que a que desenvolvem como os demais, por exemplo, outros irmãos, colegas e os adultos. Na infância, é comum as famílias relatarem que eles falam de modo compreensível, quando estritamente necessário com as pessoas em geral, mas que conversam muito entre si de um modo que só eles entendem. Eles parecem preencher os espaços vazios entre as palavras ditas com expressões não verbais como troca de olhares, gestos faciais e corporais, para solicitar algo e expressar o que estão sentido, pensando…”
Podem identificar se isto está acontecendo se observar que parecem estar conversando – gesticulando, entoando a voz de modo semelhante a uma conversa, com contato visual e alternância de fala – mas sem compreender as palavras que estão usando.
A criptofasia se torna mais observável por volta de um ano, quando passam a se expressar e se comunicar cada vez mais com uso de palavras. Mas o uso intenso desta forma de comunicação própria se torna menos frequente e intensa a partir dos 3 ou 4 anos, quando passam a se comunicar predominantemente na língua social – familiar e escolar.
Existe uma cumplicidade gerada pela semelhança na aparência e na experiência compartilhada entre os gêmeos. Eles se conhecem muito bem, como ninguém mais, o que facilita a construção de suas identidades numa condição “nós e os outros”. Por outro lado, estes padrões comunicativos se constituem em função de como os irmãos gêmeos são percebidos e cuidados pelas suas famílias, mas também na escola e em outros espaços de convivências. Para início de conversa, suas semelhanças são mais evidentes do que as diferenças. Às vezes, é um pequeno detalhe na aparência que é usado como pista para o reconhecimento de um e de outro. Ainda que duas pessoas singulares, é mais fácil percebê-los como um.
Outro fator seria o cuidado a ser oferecido às crianças. São dois ou mais ao mesmo tempo, o que exige mais esforço, energia e recursos a serem divididos no cuidado e na interação com as crianças. Muitas vezes, os cuidados mais básicos são priorizados, sobrando menos para a interação comunicativa dedicada às crianças gêmeas, explica Fraulein de Paula. Além disto, estão frequentemente juntas, levando as pessoas a interagirem com ambas ao mesmo tempo.
Se por um lado a comunicação entre os gêmeos dá a eles uma oportunidade singular de experiência de construção linguística compartilhada, há estudos que reportam ser frequente a ocorrência de atrasos no desenvolvimento da linguagem em gêmeos, se comparados a crianças numa condição de vida semelhante, mas sem esta experiência de fraternidade. Confira recomendações para promover o desenvolvimento linguístico e social dos gêmeos:
Por Fraulein de Paula, professora e pesquisadora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
– Reserve um tempo que for possível, mas que se torne uma rotina todos os dias, para a família possa desligar os eletrônicos e interagir verbalmente entre si na presença dos bebês gêmeos
– Observe, ouça os bebês, responda ao que observa, repetindo e interagindo com seus sons e gestos
– Brinque e leia livros com seus bebês individualmente; nomeie objetos, as ações, fale sobre eles e sobre o que está sentindo
– Encontre um tempo para conversar com seus bebês individualmente todos os dias, usando seu nome e fazendo contato visual
– incentive irmãos mais velhos, amigos e familiares a conversar com seus bebês individualmente, um de cada vez
– Ajude as crianças a perceberem com comentários e elogios as suas diferentes habilidades, suas qualidades singulares
– Interaja mais em comunidades de gêmeos e de seus familiares (como a Me Two!)
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4 Comments
Ah, que delicia ler esta materia. A linguagem é algo que me tira o sono. Elas se comunicam muito bem, mas as “palavras” em portugues ainda sao pouco usadas. Sei que o contexto de bilinguismo tambem interfere um pouco, mas fico muito preocupada com este desenvolvimento, mesmo sabendo da existencia do “gemelês”.
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Chamo-me Leila Bortoncello, psicóloga clínica , membro do Instituto Contemporaneo de Porto Alegre. Ofereço
, em nome do grupo especializado na área,nossos estudos e experiência em Vínculos familiares, especialmente com Gêmeos.
Informo, por exemplo, que no dia 22 de junho, apresentaremos no XXVII Congresso de Psicanálise, em Belo Horizonte, a palestra “ Gêmeos e seus duplos inquietantes’.
Olá, Leila. Muito prazer! Obrigada pelo contato e retornaremos por e-mail, para seguirmos. Muito obrigada. Vanessa