Quando a gente se perde de si mesma | Por Ana Holanda, escritora, mãe de gêmeos

Quando a gente se perde de si mesma | Por Ana Holanda, jornalista e escritora, mãe de gêmeos

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Ana Holanda é jornalista, escritora e professora de escrita afetuosa. É mãe da Clara e do Lucas, um casal de gêmeos de 10 anos.

Aqui, ela escreve um texto exclusivo para a Me Two sobre como a maternidade impactou na sua vida nos primeiros tempos, a ponto de não se reconhecer mais totalmente.

Ana narra como se sentia quando eles eram bebês e menores – e como agora está atenta para saber se reencontrar caso se perca novamente de si mesma. O autoconhecimento e falar sobre sentimentos foi o que ajudou a jornalista, que é editora-chefe da revista Vida Simples desde 2011.

E este tema é muito importante: é uma das causas da Me Two o autoconhecimento, o saber olhar para dentro, pedir ajuda e (tentarmos) não deixar de lado o papel de mulher ainda sendo mãe (de dois ou mais). Com vocês, a Ana. Deixa teu comentário depois para sabermos da tua experiência também?

Quando a gente se perde de si mesma

“Clara e Lucas nasceram no dia 4 de um fevereiro encalorado de 2009. Quando vi aqueles dois bebês tão pequeninos na minha frente senti medo, muito medo. Será que eu ia dar conta? E a verdade é que eu não dei conta. Fui afogada por uma rotina que estava muito longe daquilo que eu imaginava ser a maternidade. Eu não dormia e por isso não pensava direito. É estranho quando paro para buscar lembranças do passado e me pego com dificuldade em recordar esse dia a dia. As recordações vêm em flashes, pedaços de uma quebra-cabeça que não consigo juntar. A ausência de sono não permitiu que as cenas cotidianas se transformassem em retratos guardados na alma. O tempo foi passando, os meses e depois os anos. E eles sobreviveram as minhas falhas e a minha busca por ser a melhor mãe possível. Os levei rigorosamente ao pediatra, dei todas as vacinas, passei noites em claro quando um estava com febre – e o outro também. Fui a todas as reuniões da escola e com as professoras. Li histórias à noite, cantei para eles dormirem, brincamos ao ar livre, andamos de bicicleta, preparei refeições caseiras e saudáveis, aprendi a ouvi-los e a ama-los mais e mais a cada dia.

Quando eles completaram 7 anos – e com o final da primeira infância – fiz festa em casa, com brigadeiro, brincadeiras, enfeites feitos por mim e boas recordações. Eternizei aquele momento na pele em uma tatuagem, no braço esquerdo (o que tem linha direta com o coração), com o nome dos dois. Parecia estar tudo certo, mas não estava. Quando os cuidados extenuantes amenizaram, e as crianças passaram a ficar mais e mais independentes – em muitos sentidos –, um vazio foi me habitando. Foi então que me dei conta de algo muito difícil de acolher: eu havia me perdido de mim mesma. Ninguém havia me contado que eu poderia me perder neste processo. Ninguém me deu referências do que fazer para que eu mantivesse o fio que leva até mim mesma. Foi assim que eu me senti: descolada, esvaziada. Eu vivi tanto e tão intensamente aquela maternidade que esqueci de mim.

Perceber isso foi doido. Onde eu estava? Meus gostos, minhas roupas preferidas, meu estilo, minhas músicas, meus amigos para sair e dar risadas, meus sonhos. Eu sei que a maternidade é feita de escolhas, mas a gente não pode deixar de se escolher no meio de tudo isso, porque se você se perde, se esvazia e os filhos precisam de uma mãe inteira – por fora e por dentro. Foi então que fiz um dos caminhos mais duros e igualmente bonitos nesta jornada: mergulhar em mim mesma. E tanta coisa boa veio dai. Eu comecei a entender porque eu me irritava fácil com as crianças, qual era a minha criança machucada que tentava entrar em embates com as crianças reais que surgiam na minha frente. Passei, então, a conversar mais com Clara e Lucas com mais transparência e compaixão, a me perdoar mais e a desculpá-los também. A me escutar e a ouvi-los na mesma medida.

Acho que me encontrar trouxe para a minha história com meus filhos um olhar mais humano e menos de “super mãe”, apesar de eles ainda me acharem “a melhor”(eles têm 10 anos, afinal). Quando eu excedo na dose (grito ou me exaspero exageradamente), conversamos sobre isso. Falamos mais sobre o que estamos sentindo, de alegrias à tristezas. Entendi que sem me encontrar eu não poderia ter um encontro profundo também com eles. Sinto, agora, que estamos nós três, eu, Clara e Lucas, vivendo uma verdadeira relação de amor. E este amor é a vivência mais linda que eu poderia experimentar e que vai muito além do que qualquer manual de educação conseguiria me ensinar. Se eu me perder de novo (pode acontecer, não é mesmo?), saberei, agora, qual o fio que é preciso puxar para me resgatar.”

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Camila Saccomori
Camila Saccomori
Jornalista de Porto Alegre e mãe da Pietra, nascida em 2011. Desde a gravidez, passou a produzir conteúdos femininos e voltados a famílias em vídeo, foto e texto. Trabalhou por 20 anos no Grupo RBS e hoje faz conteúdos para a Me Two e projetos de maternidade pelo seu novo "filho", o canal @VamosCriar.

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