“Quase tudo na vida é planejável. Ter gêmeos é uma impactante exceção à regra. Nunca havia pensado nas mil complexidades que envolveriam a gestação gemelar e a maternidade em dose dupla. Pra mim, a descoberta foi um susto do qual demorei a me recuperar. Lembro de ter passado uma semana inteira chorando e os meses seguintes, já apaixonada pelos meus dois meninos, me sentido culpada por não os ter desejado desde o início.
Preocupados com a gestação e seus riscos particulares, eu e meu marido (que vivia tentando me convencer a ter mais de um filho e comemorou a gestação gemelar desde o primeiro dia), demoramos algum tempo para pensar concretamente na vida após o nascimento dos nossos filhos. Foi no hospital, onde passei cerca de um mês internada por pré-eclâmpsia, que começou a crescer nossa indignação com relação à disparidade entre a licença maternidade e a licença paternidade.
A ideia de que os homens devem se ausentar nos primeiros dias de vida de seus filhos para retornar ao trabalho está alicerçada numa visão ultrapassada de sociedade, na qual se atribui aos homens o dever de sustentar a família e às mulheres o dever de cuidar dos filhos. É fato que ainda temos muito a avançar para a construção de uma sociedade mais igualitária, mas é igualmente indiscutível que o tanto que já avançamos – com as mulheres conquistando o mercado de trabalho, com a guarda compartilhada reconhecendo o direito de a criança ter igual convívio com ambos os progenitores – torna imperativa uma releitura do direito à licença paternidade.
Se quisermos avançar ainda mais no reconhecimento das obrigações dos homens no que diz respeito aos cuidados com os filhos, é preciso também avançar no reconhecimento dos direitos que podem garantir esta igualdade de deveres.
Pesquisando sobre o assunto, encontramos um precedente em Santa Catarina e decidimos ajuizar ação judicial para estender o período de licença do meu marido. Como advogada e maior interessada na causa, fiz eu mesma a petição, lá do hospital, às vésperas do nascimento dos nossos filhos.
Ganhamos uma liminar. O juiz de primeiro grau reconheceu nossos argumentos, especialmente com relação às particulares do advento de gêmeos e à necessidade da presença integral de ambos os pais. Seriam seis meses de uma –ainda curta – adaptação: eles se adaptando à vida, nós nos adaptando a eles, a uma nova vida. E tudo isso após um parto cirúrgico que demandou algumas semanas de recuperação. O tempo que levei para conseguir tomar banho sozinha e subir escadas com facilidade foi quase o tempo que meu marido teria de licença sem a ação judicial. Não sei como teríamos conseguido, não como teria sido. Mas sei como foi. E olha que ainda assim não foi fácil…
Pudemos dividir todas as tarefas e acompanhar, juntos, cada etapa da adaptação e do desenvolvimento dos nossos amores, Theo e Heitor. E eles, esses meninos de sorte, tiveram todos os banhos dados pela mãe e pelo pai, foram alimentados pela mãe e pelo pai, receberam todo amor e estímulo da mãe e do pai, construindo suas referências e afetos de forma plena nesta etapa tão importante do desenvolvimento psicológico e afetivo.
Infelizmente, a liminar foi suspensa ao longo do gozo do direito, pois o Estado do Rio Grande do Sul (meu marido é servidor público estadual) recorreu da decisão. Ao recurso foi dado efeito suspensivo, tendo a juizA alegado que ter filhos gêmeos não é diferente de ter filhos em idade próxima (imaginem minha indignação com esta afirmação absurda!). Com férias e licença prêmio conseguimos mais algum tempo. Um tempo inestimável.
Hoje, Theo e Heitor (lindos e saudáveis) estão completando dez meses. Ainda é difícil quando tenho que ficar sozinha com eles. Às vezes me pego pensando: “como teria sido sem a ajuda do meu marido? Seriam estas crianças tranquilas, felizes, com rotina? Será que eu teria tido estrutura física e psicológica para encarar os desafios diários do maternar?”.
Conhecendo, hoje, tantas mães de gêmeos que não tiveram este direito, ou por falta de ação judicial ou pela própria postura de seus companheiros, que ainda acham que cuidar de filhos – e da casa – é coisa de mulher, tenho certeza que eu teria dado um jeito. A gente sempre dá um jeito. Somos fortes. Mas, sozinha, confesso, eu não seria a mesma, meus filhos não seriam os mesmos e meu marido não seria o pai que é. Nossa família não seria o que é.
Christine é mãe do Theo e do Heitor, advogada e esposa do Leônidas.
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